sábado, março 19, 2011

O valor de uma amizade

Chego em casa por volta da meia noite, na maioria dos dias. A rua está sempre vazia, um ou outro anda de bicicleta, outros fumam um cigarro na calçada.


A rua dos Jacarandás já não é a mesma há anos, pelo menos uns dez anos. Há dez anos essa rua era só alegria. Durante a semana todos íamos para a aula, almoçávamos e saíamos loucos para a rua para brincar.

Aos domingos, nós não víamos a hora de formar a "rodinha", os pais da garotada comiam uns petiscos e tomavam uma gelada. As mães conversavam na cozinha de alguma delas e as crianças correndo, gritando, cantando, jogando bola...

Na verdade essa história começa há 13 anos para ser mais exata. Em julho de 1998, um homem alto e robusto, para não dizer barrigudo, de olhos muito verdes aparece procurando uma casa. Dentro do carro uma pré-adolescente rebelde ouvindo música nem deu bola para a menina gordinha que saia no portão louca para brincar com a nova amiguinha chegava.

A amiguinha era dona de olhos tão verdes quanto os do rapaz, magra de dar inveja, os cabelos enrolados faziam moldura no rosto que parecia tão amigo.

As duas ficaram tímidas de início, se escondiam atrás dos pais que falavam de imóveis, qualidade de vida, futebol e vai saber mais o que.

Me lembro como se fosse hoje, a chuva era fina mas não fazia frio, elas começaram a conversar e imaginar como seria quando elas fossem vizinhas e teriam muito tempo para brincar.

Seis meses se passaram até que ela viesse para a casa nova e virássemos amigas. Sendo bem sincera, éramos colegas, brigávamos mais que irmãs. Eu queria brincar de boneca, ela de Barbie. Talvez isso já revelasse minha vontade de ser mãe um dia, e a vaidade que ela tem até hoje.

Ela queria jogos de tabuleiro, eu queria computador. Nunca entrávamos em consenso. Lembro de inúmeras brigas por causa de escola.

Assumo que eu era um pouco convencida por estudar em colégio particular e cheguei a querer humilhá-la por isso. Fui um fracasso. Ela sempre foi tão inteligente que não me dava espaço. E ainda fazia uma carinha de anjo que fazia todas as crianças ficarem do lado dela.
 
O fato é que com todas as brigas infantis e sem nexo nasceu entre nós uma amizade da qual nunca nos libertaremos.


Ela ficou pouco tempo morando na casa da frente. Era tão bom atravessar a rua e berrar seu nome. "Rafaeeeeela, vamo brincar?"

Havia outras crianças na rua, mas era só ela que me importava. Só me divertia se ela estivesse brincando comigo.

Eu não me lembro se chorei quando ela mudou novamente para São Paulo. Mas sei que dentro de mim faltava alguma coisa, faltava a minha amiga.

No início mandávamos cartas, e falávamos pelo extinto ICQ. Mas, apesar do que diziam todos em volta, nossa amizade nunca esfriou. Pelo contrário, a cada dia o respeito e a admiração que uma tem pela outra só cresce.

Vez ou outra nos metemos numas viagens malucas, como quando fomos ao Rio de Janeiro sem planejar. Com um simples telefonema já estávamos em Copacabana, curtindo a melhor viagem que as duas já tinham feito. Ou até mesmo andando pelo meio do Sertão de Cambury, pegando carona com uns surfistas.

São 13 anos de amizade, de confidências, de cumplicidade, respeito, amor. São 13 anos de agradecimentos a Deus por eu ter conhecido alguém tão maravilhosa com quem eu posso compartilhar tudo.

Há quem diga que isso é piegas, chato, ou até diga que eu sou do "lado de lá". Mas certamente essas pessoas não conhecem o valor de uma amizade como essa. Que ultrapassa os limites impostos pela falta de sangue e nos torna irmãs por opção.



Te amo minha amiga, minha irmã, minha Rafa.
 
 

segunda-feira, março 07, 2011

Sobre ele*

Ele é o tipo de pessoa que jamais passaria despercebida pelos meus olhos. Olhos esses que têm um gosto irremediável pelo estranho, excêntrico, inédito...

Pois foi assim. De maneira inédita que tudo começou. Uma reunião entre amigos e uns desconhecidos, empenhados em alegrar alguém que havia acabado de sair de uma relação estranha, de maneira estranha.

Enquanto éramos apenas dois estranhos, eu apenas sabia rir dos absurdos que o álcool o fazia falar. Não fazia sentido porque um ser usava aqueles subterfúgios pra esconder o que era.

A segunda vez que nos vimos foi mais distante, havia um aniversário a ser comemorado, não tinha tempo para conversar melhor, mas os olhos..ah esses perseguiam a excentricidade daquele que mais chamava atenção na festa.

Certa hora, a cara de mau foi caindo, e desabou-se em sono...um sono profundo...o qual admirei ficar olhando..pensando em mil maneiras de descobrir os segredos da figura curiosa.

A internet fez as vezes de detetive e me trouxe informações que deixariam qualquer garota surpresa. Como podia um homem gostar tanto do que eu gosto? Como pode conhecer tais músicas, assistir tais filmes? Ele se parecia mais comigo mesmo a cada frase que conversávamos. O gosto musical era deveras parecido, os assuntos intermináveis e a vontade de ter por perto só fazia crescer.

A terceira vez que nos vimos foi marcada por aventuras, cheiros, toques, sabores...finalmente o beijo pelo qual esperei dias...o beijo que me libertaria da condição em que me sentia...O beijo era sinônimo de sucesso. Sim, havia mais alguém no mundo que me olhava como mulher e não só mais uma amiga no meio de tantas outras.

Pois bem, nesse instante o mascarado (num bom sentido), surgiu como o salvador. Alguém que libertaria uma alma que vagava em busca de um novo sentido para existir. Uma alma apressada que não mede as consequências de se envolver com pessoas que fogem do que são...

Enquanto estavam em casa faziam do computador o instrumento para aproximar pensamentos já tão próximos. As madrugadas de verão se tornaram em bate-papos cheios de ideias, vontades e até confissões. Parecia que se conheciam há décadas.

No encontro seguinte, era explícita a sintonia em que ambos estavam. Os amigos desconfiavam que algo seria produtivo daquele encontro de almas tão perdidas que acabavam de se encontrar. Pobre engano... As palavras de carinho e desejo soavam de ambas as partes, mas não foram suficientes para construir nada...

Foram três vezes em que se viram e se deixaram levar pelo sentimento genuíno, verdadeiro, sem filtros. Depois de uma curta viagem, nada voltou ao normal. As palavras de carinho transformaram-se em desencanto, palavras duras e sentimentos banalizados.

Ele só sabia por em jogo as frustrações passadas, não se permitia enxergar as diferenças que uma nova pessoa traria. Mais uma tentativa. Talvez a melhor de todas. Para mim, quem sabe, um dos melhores capítulos da minha história. Só me lembro das risadas, do carinho, da música que tocava, dos sorrisos, o ombro cheio de sardas que eu gostava tanto de apoiar enquanto o beijava....

O fato é que em todas as histórias há conflito. É o conflito o critério número um para uma boa história. E no meu caso, ele só gerou indiferença para ele e mágoas para mim. O fato é que a distância de nada adiantou. Diariamente ela lembra de como conheceu diferentes faces da mesma moeda, diferentes máscaras da mesma pessoa. E, diariamente, eu acredito que por trás de tudo isso haja um coração, que de alguma forma bata por mim...mesmo que seja em uma amizade ingênua e inocente...

Mas mais importante que tudo isso, é o desafio. Pois no dia em que ele revelar quem realmente é, e decidir voltar eu perderei a vontade de jogar o jogo... E feito criança mimada jogarei o tabuleiro longe.




PS: O texto acima não remete a fatos verídicos, são apenas devaneios e sonhos batidos no liquidificador.